Os Olhos da Solidão

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Lídia estava sentada na sua cadeira colorida de praia, sempre deixava os olhos descansando no mar; no verde do mar, e tudo em sua volta perdia o significado. O mar era o seu conselheiro. A dinâmica das suas ondas, ora calma, outras vezes pura agitação, permitia-lhe perceber o fluxo da vida; numa oscilação, espelhando esta força indomável. 

No auge dos seus sessenta anos, aposentada, optou ao retorno da sua casa de infância. A pequena casa numa vila de pescadores, deixada de herança pelo seu pai, tinha está o tamanho ideal da sua quietude.  

Quando abriu a porta, todas as lembranças da sua infância lhe abraçaram, com a urgência de acordar o lúdico, tão distante da sua antiga rotina de professora universitária. Tomou consciência do quanto tinha se tornado extremamente séria, sentia a rigidez dos músculos da sua boca, quase não sorria; aquela sua gargalhada costumeira na infância, estava tão ausente como sua característica, que uma incerteza sobre se esta menina Lídia, Lia (apelidada pelo seu pai…), existiu?  Mas, quase escutou o som da gargalhada que liderava as lembranças soltas pela casa… 

Lembra muito bem o dia em que deixou a vila e o seu pai, para seguir os estudos. Sempre foi muito aplicada, dedicada exclusivamente aos estudos, construindo uma sólida carreira intelectual, inicialmente com bolsas de estudos integral. Neste percurso foram o mestrado e o doutorado concluídos. Com a sua vida direcionada rigidamente para esse fim, talvez esta tenha sido a causa principal da rigidez dos músculos da boca, o desaparecimento total do sorriso, e a sua gargalhada distanciando no passado como se fosse uma lenda. 

Como filha única nunca deixou faltar nada ao seu pai, e também, sempre respeitou a vontade dele de permanecer na vila, em sua própria casa. Foram feitas algumas melhorias na residência, mas ele nunca quis aumentar e sofisticar a casa. Para ele o terreno era o seu tesouro, com espaço amplo para o jardim, horta; um pequeno galinheiro (as galinhas morriam de velhas), todas muito bem tratadas…  

Seu pai, toda vez que pegava os ovos, agradecia.  O seu xodó era o aquário de peixes ornamentais. Assim, como as galinhas, todos tinham nomes dados por ele. Havia belas árvores frutíferas plantadas por ele. Hoje a Lídia vive neste paraíso singelo e particular de seu pai, e sente que não existe lugar melhor do mundo para viver em paz, até os últimos dias da sua vida. 

A sua vinda acionou a curiosidade dos vizinhos, cada movimento seu era observado. Seu contato constante com o mar, e sempre sozinha, despertava neles questionamentos sobre a sua solidão. Numa tarde em que estava sentada, observando o mar, uma menina do vilarejo se aproximou: 

– Moça, a senhora de madrugada vira Yemanjá? 

– Não. Quem disse isso para você, minha querida? 

– Todo mundo diz… Por isso, que a senhora fica horas olhando pro mar… 

– Eu olho para o mar, porque ele é muito belo e me faz bem. Entende? Você gosta do mar? 

– Ah, moça, eu gosto muito. Mas o povo daqui acha igual, tá acostumado e não vê mais a belezura do mar. 

– Que bom que os meus olhos e os seus veem a “belezura” do mar, né mesmo? 

– E porque eles falam que a senhora é uma mulher sozinha e isso é muito triste? 

– Como é seu nome? 

– Me chamam de Dorinha. 

– Dorinha, uma pessoa pode tá sozinha e estar feliz, como também, pode estar rodeada de gente e sentir tristeza. 

– A senhora tá sozinha e feliz. Esse povo fala demais da conta… 

– Você gosta de manga? 

– Gosto que me enrosco… O seu José, o seu pai, distribua as frutas para a vila toda. 

– Tome estas, Dorinha, e distribua para as outras pessoas, certo? 

– A senhora não tem esta solidão ruim que eles falam, a senhora tem a mesma bondade do seu pai. A senhora parece com ele. Ele também, gostava de ficar com os olhos plantado no mar… 

Lídia sorriu para Dorinha, toda a musculatura da sua boca e seu rosto estavam relaxados, para ela, agora, sorrir será um ritual diário junto ao mar, esta leveza impulsionará a gargalhada da sua Lia, a filha do seu José. 

Suzete Brainer (Direitos autorais registrados).

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