O Desapego – Um Aprendizado para Morrer.

Percebo uma sociedade cada vez mais consumista, acumuladora de objetos que em nada preenchem o vazio dos sentimentos não vividos e bloqueiam a prontidão para viver experiências transformadoras. A necessidade se colocar no ranque do mais rico, mais jovem, mais belo; ter atributos que representem o seu valor no espaço social, despido da preocupação de ser autêntico e feliz no seu modo de existir além da aprovação humana, pode levar ao desengano e sofrimento.  

A felicidade está conectada diretamente com à sua essência.  Se cada um é singular em manifestar a sua essência, não existe receita para a felicidade, e muito menos, listas a serem atingidas para o pódio do sucesso fabricado.

Há uma correlação da vida com a morte sempre. A fuga em relação a compreender o processo da morte, levará indivíduo a não viver o verdadeiro propósito de Ser na vida.

O apego está intimamente ligado ao ego, a ilusão de controle e a fuga do vazio da morte.  Este vazio leva a encarar os limites e a sua finitude. Ninguém está preparado para dizer adeus, mesmo que a natureza, campo experiencial da vida e da morte, nos espelhe esta cristalina verdade sobre a importância do desapego, por conta da lei da impermanência e finitude da vida. 

Uma grande legião de pessoas continua cega, por formação reativa estabelecem o vício de acumular externamente e refugiar-se na alienação do processo interior. A solidão é uma ferramenta tão necessária para entender o silêncio, mesmo em  lugares cheios de barulho e dores profundas, há lições importantes para se aprender nesses momentos, desde que a mente não esteja abarrotada de listas, de objetivos para o sucesso, a fortuna, o poder e a fama. 

Muitos dedicam todo o seu tempo a estes fins, alguns alcançam o pódio e inesperadamente não compreendem o porquê da implosão de medos, tristezas, fobias e depressão. Como encarar esse vazio de dentro, quando tudo de fora está preenchido pelos excessos do poder sem limite adquirido através do dinheiro?

Hoje, nós temos uma sociedade voltada para a vitrine das redes sociais; um espaço de exposição do ter, do aparentar e mascarar as dores internas. Nesse espaço a alienação existencial se veste de imagens retocadas que vendem beleza, riqueza, felicidade em busca dos consumidores, e uma grande rede de horrores se propaga a consumir as horas essenciais da vida. Um empobrecimento da qualidade do Ser; uma substituição da vida real pela vida virtual.

Assim sendo, quando olhamos realmente para nós próprios e para as coisas ao nosso redor que considerávamos tão sólidas, ­estáveis e duradouras, descobrimos que não têm mais realidade do que um sonho. Buda afirmou: “Saiba que todas as coisas são assim: Uma miragem, um castelo de nuvens, um sonho, uma aparição, sem essência, mas com qualidades que podem ser vistas. Saiba que todas as coisas são assim: Como a Lua num céu brilhante, em algum lago límpido refletida, ainda que para esse lago a Lua jamais se tenha movido. Saiba que todas as coisas são assim: Como um eco proveniente da música, sons e pranto, embora nesse eco não haja nenhuma melodia. Saiba que todas as coisas são assim: Tal como um mágico cria ilusões de cavalos, bois, carroças e outras coisas, Nada é como parece”. (Livro Tibetano Da Vida E Da Morte de Sogyal Rinpoche).

Quando entramos em contato com o medo que a impermanência aciona em nós: Com a premissa de que nada é real e nada perdura; podemos questionar o que é verdadeiro, se tudo morre e muda.  Com a meditação e a prática do exercício do desapego, podemos compreender no ritmo próprio, a infinitude por detrás das mudanças e da morte. O poeta Milarepa escreveu:

“Aterrorizado pela morte, dirigi-me para as montanhas…

Vezes sem conta meditei sobre a incerteza da morte,

Capturando a fortaleza da natureza incessante e imortal da mente.

Agora todo o medo da morte foi completamente ultrapassado.”

Acredito que através da consciência da necessidade de vivenciar o desapego, podemos nos permitir sentir o vazio dos limites, da solidão, da aceitação que não controlamos nada, da compreensão da nossa finitude e de vivemos o tempo com aprendizados, prazeres, gratidão e leveza. Não existe receita, fórmula, caminho; cada um é seu próprio caminho na busca da infinitude de sua própria essência.

Suzete Brainer (Direitos autorais registrados).

Este post tem um comentário

  1. Júlia Souza

    Que artigo maravilhoso!!!
    “Não existe receita, fórmula, caminho; cada um é seu próprio caminho na busca da infinitude de sua própria essência”.
    Suzete, muito obrigada por me proporcionar a
    leitura deste seu texto profundo e único.
    Bj

    Júlia.

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