O Abraço do Mar

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Marina aproximava-se bem devagar das ondas do mar. Sentia nos seus pés a temperatura fria da água, quase um sussurro do seu desejo de conhecer o mar de perto, na pele e na profundeza da sua alma. Lá estava a sua visão. Lembra quando criança, aos 5 anos, viu o verde do mar, o azul do céu e sentiu o sal na sua língua; nunca tinha sentido antes uma água tão salgada. Depois se lembrou que já tinha sentido o gosto das suas lágrimas, achou muito parecido.

Esta lembrança da imagem que preencheu o colorido que os seus olhos não podiam mais enxergar, com a perda quase total da visão aos 8 anos. Sempre acalentou este sonho de morar perto do mar, trazer a sensação das cores de dentro de si para fora. Nunca fez drama por sua limitação visual, emitiu sempre a força interior no seu caminhar por obstáculos encontrados para aqueles classificados como “DEFICIENTES”. O mundo é feito para o exagero da perfeição, o melhor dos melhores, não toleram as falhas, as diferenças, sempre terá uma placa de impedimento. Nesta raça humana, falta a humanidade de ser sensível, acolhedor e empático.

Realizou todos os seus sonhos na profissão de bióloga com atuação na Biologia Marinha, com o seu marido, também biólogo marinho, que juntos realizam um trabalho maravilhoso. Ele sempre foi o seu suporte para a observação na pesquisa de campo e ela excelente na análise e conclusão de relatório, uma dupla imbatível. Ela com seu alto nível de responsabilidade, nunca quis engravidar, decorrente do risco alto da genética: sua mãe tinha a baixa visão e nela foi ainda mais acentuada, por isso – não querendo arriscar de repassar para seus descendentes -, resolveu tomar a decisão radical de não ter filhos. A sua maternidade foi vivenciada com os animais, dois gatos e um cão formavam a sua família, seus filhos de quatro patas.

Marina sempre teve a certeza de que a vida é breve, que ela passa como uma onda ligeira. Nunca cultivou o medo de torna-se uma gotinha de agua e sal no imenso mar. Sempre foi assim, solitária sem peso, conectada com a natureza, tudo em volta, mas sem nenhum apego. Com uma grande sensação de que tudo que sente, tudo que percebe é unicamente seu, a sua experiência, a sua viagem e sabe que desta forma será a sua morte. Uma despedida silenciosa do seu mundo das coisas reais e dos sonhos guardados.

Sente uma dor antecipada ao pensar na despendida do seu grande amor, o Lucas, uma escolha de parceria, quase uma poesia feita a dois na partitura do mar. E seus filhos de quatro patas: a Lune que é a gata mais carinhosa do mundo; o Breu, um gato que colhe todos os sorrisos com suas travessuras e finalmente Ulisses, o cão mais fofo, silencioso e companheiro.

Não tinha partilhado com o seu marido, a sentença de morte dada pelo médico, com diagnóstico na mão e frieza nos olhos, lhe comunica:

– Eu a oriento a começar imediatamente o tratamento da quimioterapia, com uma possibilidade pequena de sucesso.

– Não, Doutor, obrigada. Eu não quero.

–  A segunda opção neste momento será mais arriscada, a cirurgia, neste estágio…

– Ficarei com a terceira opção.

– Qual a terceira opção?

– A vida, Doutor.

– Você está confusa, pois não seria a vida e sim a morte.

– A morte faz parte da vida, Doutor, o senhor não sabe?

O médico a olha incrédulo, com uma certa raiva diante da reação dela. A Marina sai com passos firmes em direção à casa, o mar a espera sem pressa de abraçá-la.  

Suzete Brainer (Direitos autorais registrados). 

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